A felicidade das crianças não se avalia numa pauta da escola 

28-11-2021

Há uns tempos atrás, em consulta, um menino de 10 anos dizia-me:

"Na escola estou atento, percebo o que a professora diz, faço os trabalhos que ela manda, e tiro boas notas nos testes. Mas não me consigo portar bem. Quando a professora já está a explicar duas vezes, eu já não fico atento. Ou quando acabo o trabalho primeiro, eu já não fico atento. Aí, pegava no meu caderno das ideias e fazia desenhos e escrevia coisas, a professora não gostou e tirou-me o caderno, disse que eu tinha de olhar para ela...mas eu não consigo, Filomena....Podes-me ajudar a ficar mais quieto e atento?! "

Outro menino, de 8 anos, em consulta, quando lhe perguntei: "se aparecesse um gênio numa lâmpada e te realizasse três desejos, tudo o que quisesses, o que pedirias?", ele respondeu:

"Queria que ele criasse um robot exactamente igual a mim, mas que conseguisse estar sempre atento na escola e calado, a olhar para a professora; assim esse robot iria para a escola em meu lugar."

E eu questionei: e tu? Onde estarias? - ao que o menino respondeu:

"Eu fazia o resto, enquanto ele estava na escola eu ficava no meu quarto, para ninguém saber, a fazer legos, a ver os filmes dos animais e da natureza na televisão, para ninguém saber que eu estava lá enquanto o robot estava na escola. Depois, metia o robot no armário e ia na mesma jogar futebol, estar com os meus amigos e com os meus pais, com a minha família..."

Estas duas histórias são reais. Como psicóloga são apenas alguns dos desafios: ouvir as crianças, suportar as emoções, ajudá-los a compreender o mundo à volta e a encontrarem estratégias para saberem lidar com todo este turbilhão...e, como podem perceber, nem sempre é uma tarefa fácil!

Eu gostava de lhes dizer que a escola é sempre "fixe", que na escola "aprendemos muitas coisas giras". Mas sabemos que a realidade nem sempre é assim...

Com currículos cada vez mais extensos, professores cada vez mais cansados, metas cada vez mais exigentes...que tempo resta para as crianças sonharem, para criarem, para imaginarem, para brincarem?!

Pessoalmente, não fui uma criança robot, muito pelo contrário, tinha sonhos que atravessavam janelas de uma sala de aula, perdia-me algumas vezes nesses sonhos...

Não fui uma criança que ouvia os professores em silêncio, porque sempre questionei: "porquê?", "porquê?"

Não fui uma criança que me bastavam os livros da escola, que achava, na sua maioria, "uma seca", lia-os de fugida, rapidamente, para ter tempo para ler outros livros: aos 13/14 anos lia um livro por semana. Aos 15 anos "decorei" a enciclopédia da medicina e achava fascinante o código penal; sabia as minhas áreas de interesse não porque alguém me disse, mas porque tive tempo para as explorar.

Tudo isto, valeu-me não ter as melhores notas do mundo. Mas, a verdade, é que não precisei dessas melhores notas até hoje!

Porque, sempre acreditei que a minha felicidade não se avalia numa nota, nem conheço ninguém que diga: "tirei 20 na arte de ser feliz".

E a sua felicidade, quanto vale? Quanto vale a felicidade dos seus filhos?!

O que é para si mais importante, uma criança com excelentes a tudo, ou uma criança feliz?

A escola não é tudo, não pode ser tudo, tem que haver tempo para sonhar, para brincar, para amar, para partilhar.

Porque no fundo, o que todos queremos, é sermos felizes, e ninguém pode fazer isso por nós.

O que tem feito por si, e pelas suas crianças, para ser feliz?

Não tem de tirar "20". A felicidade não é uma competição! A fórmula é "dar o seu melhor", quando damos o nosso melhor não importa a nota, sabemos que fizemos de tudo o que estava ao nosso alcance, e temos de ficar felizes com isso!

Não existem fórmulas únicas para a felicidade. E para si, o que é que o faz feliz?!

Um dia cheio de momentos felizes, para tod@s!

▫️M Filomena Abreu - psicóloga clínica